Na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, o quilombo Kalunga, maior do Brasil, emerge como um modelo em ecologia, mostrando o caminho para a conservação ambiental. Com uma população de cerca de 8 mil pessoas, distribuídas em 200 mil hectares, esse território quilombola tem se destacado por iniciativas que vão desde o georreferenciamento até a restauração florestal. Uma dessas iniciativas, liderada por Damião Moreira dos Santos da Associação Quilombola Kalunga (AQK), envolveu um minucioso projeto de mapeamento entre 2019 e 2021, financiado pelo Fundo Internacional de Parceria de Ecossistemas Críticos (CEPF).
Este mapeamento revelou a existência de 69 novos pontos turísticos com potencial de visitação, multiplicando por vinte as opções de ecoturismo na região. “Esse foi dos melhores projetos, no que estivemos mais envolvidos, fazendo recenseamento de kalunga para kalunga”, comenta Santos. Além disso, a iniciativa levou à descoberta de 879 nascentes e áreas de preservação permanente, contribuindo para o planejamento de uso sustentável dos recursos naturais.
O compromisso com a ecologia se reflete também na titulação de terras nos quilombos. Apenas 34 mil dos 262 mil hectares delimitados como território Kalunga estão oficialmente titulados, uma condição que os torna vulneráveis a invasões. Projetos como o uso de drones, em parceria com a WWF, para mapear ocupações irregulares são essenciais para a proteção do território. A reintegração de posse determinada pela Justiça Federal em maio passado é vista como um passo importante na direção da titulação e proteção integral do território.
Outro exemplo de avanço sustentável vem do Quilombo da Fazenda, em Ubatuba, São Paulo, que recentemente celebrou a regularização de seu território pelo governo estadual. A decisão possibilita não apenas a construção de novas moradias para 30 famílias, mas também a implementação de práticas de baixo impacto ambiental. Cristiano Braga, monitor ambiental da comunidade, expressa entusiasmo com a liberação da prática de coivara, um método tradicional de manejo agrícola que inclui a queima controlada de vegetação para enriquecer o solo.
A adoção de práticas agroflorestais, como vista na comunidade quilombola de Santa Tereza do Matupiri, no Amazonas, ilustra outra dimensão da contribuição quilombola à ecologia. Um curso de agroecologia mudou a perspectiva dos moradores sobre o uso de folhas secas e outras técnicas ancestrais de cultivo, promovendo a sustentabilidade e a preservação de grandes árvores tradicionais.
No Vale do Ribeira, São Paulo, o projeto Rede de Sementes envolveu mais de 60 coletores quilombolas na venda de sementes nativas, contribuindo para a restauração de 170 hectares de Mata Atlântica. Maria Tereza Vieira, uma das lideranças do Quilombo Nhunguara, destaca a importância da iniciativa para a economia local e a conservação do bioma mais degradado do país.
Estas histórias dos quilombos brasileiros ressaltam como comunidades tradicionais estão na vanguarda de práticas sustentáveis, ensinando lições valiosas sobre conservação ambiental, gestão de recursos naturais e desenvolvimento sustentável.