Para quem convive com dor orofacial, tarefas simples como mastigar, falar ou sorrir podem se transformar em momentos de grande sofrimento. Essa condição, que atinge milhões de pessoas no mundo, rouba a qualidade de vida e impõe limitações diárias. Nesse cenário desafiador, uma equipe da Universidade de Fortaleza (Unifor), mantida pela Fundação Edson Queiroz, alcançou um marco que une ciência e esperança: o desenvolvimento de uma formulação oral inédita para o tratamento da dor orofacial.
O segredo dessa conquista está na frutalina, proteína vegetal isolada da fruta-pão. Com potencial farmacológico reconhecido há décadas, ela já havia demonstrado ação analgésica, cicatrizante e gastroprotetora. O desafio sempre foi como torná-la acessível ao organismo sem precisar de injeções. Foi essa barreira que os cientistas da Unifor conseguiram superar com uma tecnologia inovadora de nanoencapsulamento.
A trajetória da frutalina e o tratamento oral da dor orofacial
A história dessa proteína se entrelaça com a da professora Ana Cristina de Oliveira (Foto), hoje diretora do Núcleo de Biologia Experimental (Nubex). Ainda em sua iniciação científica, há mais de 30 anos, ela purificou e caracterizou pela primeira vez a frutalina. Décadas de pesquisa se seguiram até que, em 2014, sua equipe comprovou de forma específica a ação analgésica dessa molécula. Essa base sólida abriu caminho para a inovação que hoje ganha repercussão mundial.
“Essa barreira gástrica sempre limitou o uso clínico de proteínas por via oral. O nanoencapsulamento funciona como um escudo, preservando a frutalina até sua absorção no intestino”, explica a professora Ana Cristina.
O projeto reuniu a experiência de uma equipe multidisciplinar, liderada por Ana Cristina, pela professora Adriana Rolim, coordenadora de Pesquisa da Unifor, e pelo professor Angelo Roncalli, pesquisador do Nubex. Juntos, eles transformaram a fragilidade da frutalina em força, criando nanocápsulas com menos de 200 nanômetros que resistem ao ambiente ácido do estômago.
Testes que comprovam eficácia no tratamento oral da dor orofacial
Nos estudos com roedores, a inovação mostrou um resultado surpreendente: a formulação oral alcançou efeitos equivalentes e até superiores em alguns aspectos à aplicação injetável. Isso significa que pacientes poderão contar com um tratamento mais seguro, prático e acessível.
“Graças ao apoio da Fundação Edson Queiroz, conseguimos transformar a frutalina em um tratamento oral da dor orofacial, com impacto direto no bem-estar das pessoas”, afirma a professora Adriana Rolim.
O reconhecimento não demorou. Em 2019, o projeto foi selecionado pelo programa Emerge Labs Eurofarma, ficando entre as 16 iniciativas mais promissoras da América Latina. Em 25 de agosto de 2022, os resultados ganharam repercussão internacional com a publicação no prestigiado periódico AAPS PharmSciTech, da editora Springer. A validação científica confirmou o peso da descoberta brasileira.
Do laboratório à sociedade com o tratamento oral da dor orofacial
Além da validação acadêmica, a Unifor tratou de proteger sua inovação. Foi depositado um pedido de patente para a “Formulação e Processo de Obtenção de Nanocápsulas de Frutalina para o Controle e Tratamento da Dor Orofacial por Via Oral”. O registro garante que a tecnologia, nascida em Fortaleza, possa avançar em parcerias estratégicas sem perder sua origem.
“Pesquisas como essa posicionam a Unifor como geradora de conhecimento que ultrapassa os muros da academia e transforma realidades”, ressalta Adriana Rolim.
O impacto social vai além do tratamento oral da dor orofacial. O sistema de nanoencapsulamento pode ser aplicado a outras proteínas terapêuticas, como a insulina, ampliando horizontes para o tratamento de doenças crônicas que ainda exigem rotinas de injeções. Essa possibilidade traz esperança para milhões de pessoas que vivem sob regimes médicos rígidos e desconfortáveis.
O projeto também é fruto da dissertação de mestrado de Marina de Barros Mamede, no curso de Ciências Médicas da Unifor, mostrando a força da integração entre alunos, professores e pesquisadores no ecossistema da Fundação Edson Queiroz.
Novos horizontes do tratamento
O avanço já abriu uma nova frente de investigação: a via nasal. A equipe do Nubex estuda o modelo “nose-to-brain”, capaz de levar proteínas diretamente ao sistema nervoso central. Essa rota, além de evitar injeções, exige doses menores, reduz efeitos adversos e garante início mais rápido de ação.
“Estamos confiantes nessa nova linha. Ela já despertou o interesse de uma farmacêutica, e acreditamos que pode transformar ainda mais o tratamento da dor”, revela o professor Angelo Roncalli.
Esse caminho não significa apenas ampliar possibilidades médicas, mas também consolida a Unifor como referência em inovação em saúde no Brasil e no mundo.
Novas perspectivas na Unifor
A conquista da Unifor no desenvolvimento de um tratamento oral da dor orofacial é uma história de perseverança científica, de apoio institucional e de compromisso social. Mais do que superar uma barreira farmacológica, o que está em jogo é devolver qualidade de vida a milhões de pessoas.
A cada etapa, do laboratório ao registro de patente, da seleção em programas de inovação à publicação internacional, a pesquisa mostra que ciência feita no Brasil pode ser protagonista em soluções globais. E o horizonte aponta ainda mais longe: novas rotas de administração, expansão para outras proteínas terapêuticas e parcerias capazes de levar a tecnologia da frutalina para quem mais precisa.
Esse é o poder da ciência quando caminha lado a lado com a esperança.