No centro da obra do percussionista brasileiro Naná Vasconcelos (1946-2016), encontra-se o berimbau. Tradicionalmente visto como um figurante na alta cultura, Vasconcelos transformou este instrumento em protagonista, inaugurando uma nova forma de fazer música. Este enfoque inovador é celebrado na exposição que homenageia seu legado no Itaú Cultural, em São Paulo, que entrou em cartaz esta semana.
Naná Vasconcelos, um percussionista brasileiro, e a exposição no Itaú Cultural
A mostra no Itaú Cultural exibe cerca de 90 peças que narram a trajetória de Naná Vasconcelos, eleito oito vezes o melhor percussionista do mundo pela revista americana DownBeat, especializada em jazz. Entre os itens expostos estão imagens de suas apresentações, onde vestia mantos nas cores dos orixás, retratos de sua juventude em Pernambuco e um dos oito prêmios Grammy que conquistou ao longo de sua carreira, que terminou com sua morte há oito anos.
O berimbau: um símbolo central
O berimbau que acompanhou Naná por mais de quatro décadas é uma das peças centrais da exposição. Suspenso por um fio translúcido, ele flutua sobre uma superfície circular repleta de cascalho, rodeado por seixos presos por barbantes, criando uma atmosfera solene que confere ao instrumento um status quase sagrado. Esta representação está alinhada com a visão de Naná, que sempre reivindicou uma posição de centralidade para o berimbau na cultura brasileira.
A luta contra a marginalização
Naná Vasconcelos desempenhou um papel crucial ao tirar o berimbau da marginalidade, uma herança da criminalização da capoeira, esporte afro-brasileiro intrinsecamente ligado ao instrumento. Ele entendia que a estigmatização das populações negras invisibilizava muitas de suas manifestações culturais. O berimbau, nesse contexto, tornou-se um símbolo de resistência e identidade. “Tudo o que eu faço vem do berimbau. Ele mudou a minha vida”, disse Naná em uma entrevista.
A contribuição internacional
A carreira de Naná no exterior começou nos anos 1970, quando o saxofonista argentino Gato Barbieri o convidou para integrar seu grupo musical. Juntos, se apresentaram em festivais nos Estados Unidos e na Europa. Após a turnê, Naná decidiu morar em Paris, onde gravou “Africadeus” em 1971, o primeiro dos mais de 30 álbuns que lançaria. Posteriormente, estabeleceu-se em Nova York por mais de duas décadas, ganhando respeito da crítica internacional e a admiração de figuras como o cineasta Bernardo Bertolucci.
A transformação do instrumento
Naná Vasconcelos não apenas tocava o berimbau, mas também o reinventou. Em 1967, construiu um berimbau usando a corda de um piano, desafiando as tradições e ampliando as possibilidades sonoras do instrumento. Este ato de subversão e inovação permitiu que o berimbau encontrasse seu lugar em orquestras sinfônicas e no jazz, sendo Naná uma figura chave para este gênero. Glauber Rocha, famoso cineasta brasileiro, referia-se ao estilo único de Naná como “o jazz do terceiro mundo”.
Contribuições para o Carnaval de Recife
Além de sua carreira internacional, Naná Vasconcelos teve um impacto no Carnaval de Recife. Por 15 anos, ele transformou a abertura da folia em uma imensa orquestra, reunindo 500 batuqueiros de diferentes nações de maracatu. Esse projeto resgatou a cultura maracatu, que estava em declínio no início dos anos 2000. “Alguns grupos estavam quase extintos. Ele promoveu um resgate dessa cultura”, diz Patrícia Vasconcelos, viúva do percussionista.
Entretanto, Naná Vasconcelos não precisava de grandes estruturas ou objetos caros para criar música. A exposição no Itaú Cultural inclui penicos e moringas que ele transformava em instrumentos musicais. Ele acreditava que tudo poderia virar som, inclusive a plateia, que ele regia para reproduzir sons variados, como o barulho da chuva. “Ele não complicava as coisas. A música dele não era complexa”, afirma sua viúva, “mas dentro dessa simplicidade, ele conseguia maneiras de sofisticar”.
Leia também:
Eventos comemorativos
Para celebrar os 80 anos de nascimento de Juvenal de Holanda Vasconcelos, dois eventos ocorrem em São Paulo. Além da exposição no Itaú Cultural, o Sesc Pompeia apresenta o show “Amém e Amem – 80 Anos de Naná Vasconcelos”, onde artistas como Virgínia Rodrigues e Marivaldo dos Santos celebram sua musicalidade.
Ocupação Naná Vasconcelos: Itaú Cultural. Av. Paulista, 149, Bela Vista. 3ª a sáb., 11h/20h; dom. e feriados, 11h/19h. Gratuito. Até 27/10
Amém e Amem – 80 anos de Naná Vasconcelos: Sesc Pompeia. R. Clélia, 93. sáb. (20), 21h; dom. (21), 18h; R$ 21/R$ 70