A gordura no fígado deixou de ser apenas um achado silencioso em exames. Hoje, tornou-se um desafio crescente de saúde pública. Nesta segunda-feira (15/12), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso do medicamento Wegovy (semaglutida 2,4 mg) para tratar a doença em sua forma inflamatória. A condição é conhecida como esteatohepatite associada à disfunção metabólica (MASH). A indicação vale para adultos com fibrose moderada a avançada e sem cirrose. Com isso, a decisão amplia o alcance terapêutico da semaglutida, antes restrita ao controle do peso.
Como a nova indicação atua sobre a gordura no fígado
A gordura no fígado, também chamada de esteatose metabólica, atinge cerca de 30% da população global. Além disso, aparece em até oito a cada dez pessoas com excesso de peso. Com o passar do tempo, o acúmulo de gordura pode provocar inflamação persistente. Esse processo também gera lesões nas células hepáticas. Segundo o hepatologista Guilherme Grossi, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a doença costuma evoluir sem sintomas. Por isso, o diagnóstico precoce se torna mais difícil. Como consequência, aumentam os riscos de cirrose e câncer hepático.
Nesse contexto, a semaglutida 2,4 mg surge como uma aliada terapêutica. A substância simula a ação do hormônio GLP-1 e favorece a melhora metabólica. Além de ajudar no controle do peso corporal, o fármaco mostrou potencial para reduzir inflamação e fibrose. Esses fatores estão diretamente ligados às complicações da gordura no fígado.
Evidências clínicas que sustentaram a decisão
A aprovação da Anvisa teve como base o estudo de fase 3 ESSENCE. A pesquisa acompanhou 1.200 pacientes com MASH e fibrose nos estágios 2 e 3. Após 72 semanas, 63% dos participantes tratados com Wegovy apresentaram resolução da inflamação hepática. No grupo placebo, esse índice foi de 34,3%. Já a melhora do estágio de fibrose ocorreu em 37% dos pacientes tratados. Entre os que receberam placebo, o percentual foi de 22,4%. Em cerca de um terço dos casos, os dois benefícios apareceram de forma conjunta.
Para Alexandre Hohl, diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), este é um marco científico. Segundo ele, é a primeira vez que um agonista do receptor de GLP-1 demonstrou reduzir, ao mesmo tempo, gordura e fibrose no fígado. Assim, abre-se uma nova frente terapêutica.
Decisão regulatória e impacto no cuidado ao paciente
A indicação aprovada contempla adultos com MASH e fibrose avançada, sem cirrose. O uso segue semanal, por via subcutânea. No entanto, o debate agora se volta ao acesso. Fabio Moura, também diretor da SBEM, destaca a necessidade de discutir alternativas para reduzir custos. Dessa forma, mais pessoas poderão se beneficiar da nova abordagem contra a gordura no fígado.
Atualmente, mais de 250 milhões de pessoas vivem com MASH no mundo. Além disso, há projeções de avanço dos casos até 2030. Diante desse cenário, a decisão da Anvisa representa um passo relevante na prevenção de desfechos graves. Ao unir controle metabólico e proteção hepática, o Wegovy passa a ocupar um espaço promissor no cuidado dessa doença silenciosa.
