Categoria Artigos de Opinião

Licença paternidade: a revolução silenciosa que está chegando ao Brasil

Como cinco dias podem determinar o futuro de uma família — e por que o Brasil está prestes a mudar essa realidade.

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Imagine tentar aprender um novo idioma em cinco dias. Agora imagine que esse idioma seja o mais importante da sua vida: a linguagem única do seu filho recém-nascido. É exatamente isso que acontece com milhões de pais brasileiros todos os anos. Enquanto as mães têm 120 dias para se conectar com o bebê, decifrar seus sinais e estabelecer rotinas de cuidado, os pais recebem apenas cinco dias — o tempo de uma semana de trabalho comum — para se tornarem, teoricamente, pais. Essa realidade está prestes a mudar. Após quase quatro décadas de espera, o Congresso Nacional finalmente acelerou a discussão sobre o aumento da licença paternidade. O projeto em tramitação pode expandir esse período de cinco para até 60 dias, representando uma transformação histórica para as famílias brasileiras.

A matemática do cuidado na licença paternidade

Os números revelam uma verdade desconfortável sobre como distribuímos o cuidado no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua/IBGE, 2022), as mulheres dedicaram em média 21,3 horas semanais a tarefas domésticas e cuidado de pessoas, enquanto os homens contribuíram com apenas 11,7 horas. Na certidão de nascimento aparecem dois responsáveis, mas na prática cotidiana, apenas um está verdadeiramente disponível.

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Essa desigualdade não é apenas injusta — é economicamente ineficiente. Relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, “Parental Leave Systems”, 2021) mostram que cada ponto percentual de aumento na participação feminina no mercado de trabalho impulsiona o PIB. Já o Banco Mundial (“Women, Business and the Law”, 2023) estima ganhos médios de até 20% no PIB per capita quando homens e mulheres trabalham em níveis equivalentes. Na Suécia, cada mês adicional de licença paternidade aumenta em 6,7% o salário das mães nos anos seguintes (OCDE, 2019).

Licença paternidade como infraestrutura social

A ampliação da licença paternidade não pode ser vista como uma “folga estendida” para os homens. Trata-se de construir uma infraestrutura social sólida. Quando um pai permanece presente nos primeiros meses, duas engrenagens fundamentais se destravam:

  1. Ele desenvolve competências reais de cuidado — interpreta o choro do bebê, domina técnicas de alimentação e sono, assume turnos noturnos. Isso reduz a sobrecarga materna e facilita o retorno da mulher ao mercado de trabalho.
  2. Estabelece-se um padrão de parentalidade compartilhada que se perpetua ao longo da infância. Segundo a OCDE (2017), crianças com pais engajados desde cedo apresentam melhores indicadores de desenvolvimento de linguagem e menor incidência de problemas comportamentais.

O calendário da mudança na licença paternidade

Para que a licença paternidade estendida tenha impacto real, o tempo precisa ser ativo. Pais podem assumir integralmente tarefas como organizar turnos noturnos, preparar refeições, gerenciar consultas pediátricas e ajustar horários de trabalho remoto para preservar o bem-estar familiar.

Se a mãe precisa “delegar” cada passo, a licença muda de nome, mas não de função. A revolução acontece quando ambos se tornam especialistas independentes no cuidado do filho.

Uma nova cultura de paternidade

Mais do que o número exato de dias, o que está em jogo é a mudança cultural. A paternidade ativa não é favor nem ajuda — é corresponsabilidade e oportunidade de vínculo.

A ampliação da licença paternidade no Brasil representa não apenas um avanço legal, mas um passo fundamental para a igualdade de gênero, fortalecimento familiar e desenvolvimento econômico. Investir em pais presentes significa formar crianças mais equilibradas, famílias mais igualitárias e uma sociedade mais justa.

Enquanto aguardamos a votação final no Congresso, vale refletir: queremos continuar oferecendo apenas cinco dias para alguém se tornar pai ou reconhecer a paternidade como pilar da nossa estrutura social?